Stela Guedes
Lavei os pratos bem rápido, duas ou três panelas. Sequei tudo ligeiro e corri para o quintal atrás no terreiro. Queria ver que algazarra era aquela que os meninos faziam. Estavam soltando pipa enquanto a festa não começava. Lanhei a perna em um vergalhão, cortei o dedo no cerol. Tentava ajudar a desenrolar a linha. Tudo estava agitado porque João Vitor entrou em um cruza. Os amigos gritavam: “dá linha…dá linha”. João cortou e comemoramos. Mas logo depois, “estancou”. “A linha era fraca”, resmungaram. Os olhos dos meninos estavam no céu, mas os ouvidos atentíssimos ao mínimo som que revelasse o início do candomblé no barracão. “Começou?” perguntava um. “Não, ainda não. Dá tempo de correr atrás da que cortamos”. E lá foram eles pelos quintais dos vizinhos. Quando sumiram atrás da pipa ficamos eu e os dentes-de-leão. Dente-de-leão é o nome comum de várias espécies pertencentes ao gênero Taraxacum que, por brotar espontaneamente, sem mesmo a intervenção humana, indica solo fértil, solo bom. Também resiste fortemente às condições ruins e renasce sempre, sendo por isso símbolo de união, resistência, otimismo e esperança. A festa começou. Bem antes disso os meninos retornaram sem a pipa. Não ousaram enfrentar os cães que guardam os quintais dos vizinhos. Dois foram para os atabaques, um deles, João Vitor. O outro se preparou para receber Osalá que, quando chegou agigantou aquele corpo franzininho franzinho. Foi em cima dos magros ombrinhos que o grande Òrìsà ergueu o terreiro inteiro. Epà Bàbá!
Meus meninos são reis, como são reis e rainhas meninos e meninas de todos os terreiros. Cantam, tocam e dançam como reis. Sabem yorubá, conhecem as folhas, soltam pipas e, vão à escola.
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